À ESPERA DE UMA SEGUNDA OPORTUNIDADE | MIDAS

Como havia anunciado numa publicação anterior, passei um dia na associação Midas com o objetivo de escrever uma reportagem para a faculdade. A reportagem está pronta. Continuem a ler para conhecerem um pouco da associação através do meu trabalho, publicado aqui na íntegra.

O ladrar de centenas de cães entusiasmados denuncia a presença humana no local. São os cães da Associação Midas a cumprimentar os voluntários que chegam pela manhã. Às 9 horas, vestem-se os impermeáveis, calçam-se as galochas e preparam-se as mangueiras. Lavar e alimentar são as palavras-chave desta parte do dia. Sónia Rodrigues, voluntária na Associação, considera que “o trabalho mais pesado é, sem dúvida, o da parte da manhã”. A limpeza é assegurada por dois funcionários fixos do abrigo, a Aurora e o senhor Adão, e pelas mãos dos voluntários.

O primeiro espaço a limpar é a Quarentena, onde estão os cães mais recentes do abrigo, vindos do Canil Municipal de Matosinhos. Pela cumplicidade que se vê entre os canídeos e Aurora, parece que sempre tiveram aquela rotina. Mas não. Estão ali para serem observados – é preciso conhecer cada animal a albergar pela associação, desde a sua personalidade e comportamento, a possíveis doenças. Têm também de tomar a vacina contra a raiva. Estes animais “estão aqui no mínimo 2 semanas até o veterinário os ver, só depois é que passam para a zona de adoção, se houver espaço, e se não estiver a quarentena livre, também não podemos receber mais. Isto acaba por ser um ciclo vicioso”, diz a presidente da associação. Os cães ladram por atenção e mimo à entrada de alguém naquele espaço e a entrada de Aurora não podia ser exceção. Enquanto funcionária fixa da associação, Aurora é reconhecida pelos animais.

Mas a hora da limpeza não é só marcada pelo som da água a correr pelo cimento. É também altura para os voluntários e funcionários interagirem com os animais. O senhor Adão, aos 59 anos, conhece os animais pelo nome. “Lara, Lara!” – chama a Pastor Alemão, com quem tem uma relação muito próxima. Enquanto membro fixo da associação, aquele é o seu dia-a-dia há 4 anos consecutivos e na hora da limpeza há sempre tempo de sentar e mimar. Confessa que a sociedade portuguesa tem ainda muita coisa para evoluir – “continuam a abandonar, continuam os maus tratos. Agora que estou aqui a trabalhar tenho mais essa consciência de que os animais são mal tratados”.
A voluntária Sónia prepara os medicamentos a dar aos animais porque, também de manhã, os cuidados médicos são assegurados. O brilho no olhar de alguns cães faz perceber que a medicação está prestes a entrar naquela boxe, bem disfarçada por entre comida húmida. Em dois segundos, o medicamento é engolido em troca de umas lambidelas.

Sobre os raios de sol, uma ninhada de cachorros brinca como se não houvesse amanhã. Prontos para adoção, os bebés esperam apenas por uma família que os abrace. A cada humano que se aproxima da rede, saltitam, roem, trincam, beijam – tudo isto multiplicado por 4, em simultâneo. Não é fácil repartir a atenção por tantos cachorros ao mesmo tempo e pela mãe da ninhada, que espera cuidadosamente pelo seu momento de estrelato. Igual aos bebés, quase parece um deles.
´
Numa boxe vizinha, outra ninhada. São três bolinhas de pelo preto e bege, a lembrar verdadeiros serra da estela. A mãe, igualmente deslumbrante, é bem mais paciente do que as crias. Como duas mãos não chegam para acariciar 3 bebés, eles encarregam-se de encontrar o que fazer. Um deles fica-se pelas sapatilhas, a roer os cordões. O outro saltita até aos joelhos para roer as calças de ganga. Só um se digna a esperar pelas carícias do voluntário.

Junto a um patudo mais velho está outro bebé. A propósito desta realidade, a presidente da associação avança que “50% dos cães que nós temos atualmente no abrigo tem mais de 10 anos e as pessoas procuram os cachorros”. Tímido, esconde-se na casota. Grey, o seu companheiro, junta-se a ele para lhe dar alento. Os cães, tal como os humanos, estabelecem fortes relações entre si e a proteção de Grey aquele bebé é prova disso. O pelo castanho chocolate brilha ao sol quando o cachorro ganha confiança. Os olhos claros sobressaem, tal como a sua personalidade durante a brincadeira. Afinal, meia hora bastou para se dar a conhecer.

O terreno da Associação MIDAS, em Matosinhos, tem cerca de 2000m2. Este espaço, disponibilizado pela Câmara Municipal de Matosinhos, foi sendo aumentado ao longo dos anos e hoje é também a casa de cerca de 50 gatos que ronronam tranquilamente ao receber os raios de sol da manhã. Depois da limpeza feita, é hora de brincar e estimular os felinos. Uma voluntária encarrega-se desse trabalho “estou a fazer o mestrado agora, por isso, tenho algum tempo disponível e, como tenho gatos em casa e lido bem com eles, decidi vir ajudar os gatos da Midas”.

Os voluntários dividem-se entre os vários espaços da associação. Entre a Quarentena, o Gatil, a Lavandaria, a Farmácia ou o Armazenamento de Ração, “há sempre coisas para fazer: há mantas para por a lavar, há animais para passear, o abrigo para manter”, diz a voluntária Sónia. E, de facto, ninguém está parado. A única pausa é feita para almoçar. O senhor Adão traz o almoço de casa e aquece no micro-ondas disponibilizado pela associação. Os voluntários almoçam, os animais descansam. Ouve-se apenas o cantar dos pássaros. O silêncio desta hora é tranquilizante.

À tarde é hora de compor a banca que a associação tem no Senhor de Matosinhos. A felicidade de Lígia Andrade, presidente da Associação desde 2011, ao falar da festa é notória “aproveitamos para divulgar os nossos animais para adoção e para dar a conhecer a nossa Associação aos visitantes”. Apesar da associação ter sido fundada há já 19 anos, só conta com um espaço físico há cerca de 10, pelo que toda a divulgação é bem-vinda. Na festa de Matosinhos, a associação tem à venda artigos relacionados com animais: autocolantes de vinil com um cão, um gato ou uma pegada, toalhas de praia com cães, arranhadores para os felinos, taças de comida e água, porta-moedas panda, mocho, macaco, gato, urso e sapo, enfim. São muitos os artigos à venda para sustentar as despesas do abrigo, “nomeadamente as despesas veterinárias que se vão acumulando”, diz Lígia. 

Mas a festa implica também voluntários disponíveis e prontos a ajudar. Como quase tudo nesta associação, a festa faz-se com a ajuda de todos. Atualmente, são cerca de 80 os voluntários que colaboram com a Midas, em horários diferentes, dias diferentes e com tarefas diferentes. No entanto, o amor pelos animais não é tudo, é preciso disponibilidade. Por isso, a voluntária Sónia alerta que “estes cães estão disponíveis para adoção, mas eles têm algumas particularidades enquanto animais abandonados e de abrigo… têm traumas, e o trabalho de um voluntário é também um bocadinho isso. Por isso eu costumo dizer que gosto de voluntariado com compromisso. Aquilo que nós queremos é que o animal confie no humano”. E com este objetivo, os voluntários aparecem semanalmente ou mensalmente, mas de forma contínua. E assim se conquistam os animais.

Além do trabalho voluntário, a associação conta também com serviço comunitário, uma mais-valia para ambas as partes. Segundo o senhor Adão, estas pessoas ajudam essencialmente com a manutenção do abrigo “eu pergunto-lhes o que é que sabem fazer e, consoante as suas capacidades, vão-me ajudando”. Os animais agradecem com um brilho no olhar.

Enquanto há festa no senhor de Matosinhos, ao abrigo chega um telefonema pouco animador. Uma caixa com gatinhos bebés foi deixada na paragem de autocarro mais próxima da associação. Aurora e uma voluntária foram buscá-los. Acontece frequentemente o abandono de animais nas imediações do abrigo. Propositadamente ou não, esta é uma realidade para a associação. Felizmente, esta ninhada está a salvo e em boas mãos.

Perto do fim do dia, os bancos da entrada são o aconhego dos voluntários e dos funcionários da associação, que conversam com a presidente. O tema de conversa não podia ser diferente: fala-se do abandono animal e da esterilização. Sónia Rodrigues, ex-jornalista, diz que “as pessoas se esquecem que é preciso alimentar, tratar da saúde de forma básica e acima de tudo esterilizar. Só quem lida com animais de rua tem essa noção”. Lígia, presidente da associação, adianta que “a esterilização é a única forma de controlarmos os animais abandonados e o crescimento da população animal, sendo que não há donos para todos.” Mas Sónia refere que a esterilização é muito difícil de aceitar, principalmente para os homens “porque acham que o seu animal não é macho se for castrado. Primeiro que as pessoas aceitem essa realidade... é muito complicado.” No final de mais um dia na associação Midas, fica a ideia de que “a sociedade está a anos-luz daquilo que deveria estar. Do meu ponto de vista, há muita coisa a fazer até a nível estatal”, diz Sónia. O senhor Adão remata com um apelo “cuidem bem dos animais, é só isso que eu digo”. 

E pronto. Foi a minha reportagem. Espero que gostem! Espreitem a Associação Midas no facebook.

Espero que esta publicação abra os olhos de muitas pessoas que não fazem ideia de como os animais são tratados em Portugal, nem do trabalho que a associação em questão e todas as restantes associações de apoio animal têm para ajudar os animais que a população ignora. 

No século XXI, devíamos ser civilizados e isso, a meu ver, implica tratarmos os animais de forma digna. 

Até à próxima publicação, Balta! <3